sexta-feira, 15 de março de 2013

Design de jogos está sendo valorizado como trabalho artístico





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A antiga discussão em torno do valor artístico dos videogames parece ter passado de fase. Na última terça-feira, o elogiado "Journey" se consagrou como o principal vencedor do Bafta (British Academy of Film and Television Arts), recebendo os prêmios de melhor design, realização artística, realização sonora, multiplayer online e música original. Espécie de versão britânica e mais avançada da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, o Bafta classifica como "formas de arte" produções para cinema, e games. E, neste ano, boa parte dos seus "Oscars" - máscaras douradas em vez das estatuetas - foram para uma produção que pouco se assemelha a um jogo clássico e mais parece uma obra de arte interativa.
Criado pela empresa independente thatgamecompany - a mesma de "Flow", um dos 14 games que, desde o fim de 2012, fazem parte do acervo do MoMA, de Nova York -, "Journey" não tem vilões, não tem tiros, não tem ação desenfreada, não tem menu, não tem sequer uma história muito clara. Um dos destaques do FILE Games Rio 2013 - que começa no próximo dia 28, no Oi Futuro, e pretende justamente enfatizar a conexão entre jogos e instalações de arte -, "Journey" apresenta um peregrino, que surge no meio de um deserto, diante de uma enorme montanha, que emana um facho de luz.
Em sua jornada até lá - presumindo que esse seja o objetivo do jogo - ele vai deslizar e até mesmo voar por cenários deslumbrantes, formados por dunas cintilantes e o que seriam os resquícios de uma antiga civilização. No caminho, vai encontrar outros peregrinos, tão perdidos quanto ele e com os quais só vai poder interagir por meio de sons. Não há palavras em "Journey", mas o jornal "The Guardian" encontrou algumas boas para descrevê-lo: "uma experiência estética que sugere uma maturidade além do puro entretenimento".
- Fazer "Journey" só foi possível porque há novos caminhos se abrindo para o mundo dos games - afirma Jenova Chen, um dos criadores do jogo, ao lado de Nick Clark. - É um momento de ruptura, de novas possibilidades, de tecnologia, de plataformas e de aceitação do público, um conjunto de coisas que estão testando os limites da nossa própria imaginação.


Cultura em adaptação

"Journey" não vai vagar sozinho no FILE. Ao lado dele, estarão outros jogos igualmente inovadores, como "Starry night" - que permite que o jogador virtualmente toque a obra homônima de Van Gogh, dando movimentos e sons às suas formas - e o brasileiro "Xilo", que usa elementos do folclore do Nordeste - da poesia de cordel a figuras fantásticas como a mula sem cabeça - para conduzir a história de sertanejo Biliu para salvar sua família.
- Vivemos um momento de adaptação da cultura dos games. Eles estão sendo repensados por uma nova leva de artistas que está neutralizando a figura do vencedor e do perdedor - diz Alberto Saraiva, curador de Artes Visuais do Oi Futuro. - Produções como "Journey" e "Starry night" geram experiências mais duradouras e menos maniqueístas, capazes de nos dar um deslubre semelhante ao de se encarar uma obra de arte clássica.
Em sua terceira edição, o FILE vai brincar com uma expressão tradicional do encerramento dos jogos, "game over", para simbolizar o que pode ser um novo começo. Com o subtítulo "Game lover", o evento vai trazer também instalações (como "Efecto mariposa", da Argentina, e "Buildasound", da Espanha) que pretendem, ao lado de "Journey", "Starry nights" e "Xilo", ampliar os aspectos estéticos e artísticos desse universo.
- Sem dúvida estamos passando por um período de renovação e adaptação da cultura dos games, dentro do qual não parece mais relevante discutir se eles são uma forma de arte ou não - afirma Arthur Protásio, roteirista e pesquisador coordenador do projeto CTS Game Studies da Fundação Getulio Vargas. - Ao mesmo tempo em que deparamos com declarações como as da ministra da Cultura, Marta Suplicy, afirmando que os games não se encaixam no bloco de produtos passíveis de utilização do vale-cultura, eles estão ganhando cada vez mais espaços na cultura pop. E, com isso, estão atraindo novos criadores, que por sua vez estão rompendo com suas estruturas, principalmente de narrativa, e trazendo produtos cada vez menos lineares e mais perenes, menos descartáveis. As novas plataformas também ajudam nesse processo.

Experiência interativa

Criado para PC, mas consagrado no formato para iPad, "Starry night" pode funcionar como um encantador exemplo dessas novas possibilidades. "O jogo permite, de forma impressionante, que qualquer um se sinta como Van Gogh por alguns momentos", elogiou o "Huffington Post".
- Nem sei dizer se "Starry night" é um jogo ou não - diz o seu criador, o artista grego Petros Vrellis. - Acredito que ele seja uma experiência interativa que nos permite redescobrir o trabalho original de Van Gogh, de quem sempre fui um grande fã. Tive muito receio de desagradar aos puristas, mas não fiz nada além de abrir as portas para que aquela fluidez sugerida por ele na tela original ganhasse vida. Acredito que, se ele estivesse vivo ainda hoje, iria fazer algo parecido. Talvez nesse aspecto, de romper limites, esse novo "Starry night" seja uma forma de arte também.
É uma busca parecida que levou Rodrigo Motta a criar, com um grupo de amigos, "Xilo" (que tem trilha sonora do grupo Cabruera e vai ser lançado em junho). Sem o toque avançado e os mesmos recursos de "Starry night" (seu jogo é em 2D), o brasileiro aposta na força da tradição para dar o seu recado.
- É um momento muito propício para a inovação no mundo dos games. Há novas ferramentas e plataformas disponíveis, permitindo que criadores independentes, como nós e mesmo a turma da thatgamecompany, se arrisque cada vez mais - diz ele, que é designer e coordenador de desenvolvimento de jogos digitais na Facisa (Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas), em Campina Grande, na Paraíba. - Nesse contexto, a riqueza do folclore nordestino é o nosso diferencial. É um tipo de experiência que não tem muitos similares. Não é muito comum alguém interagir com o Curupira num jogo.
 

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